quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Os laboratórios e os médicos

Correio Popular (SP)
03/06/2009

Opinião



por PETTERSON PRADO



“É promíscua a relação entre médicos e a indústria farmacêutica. Muitos se transformaram em garotos-propagandas de luxo dos laboratórios”. Com essas palavras o dr. Roberto Luiz D’Avila, então diretor-corregedor e hoje vice-presidente do CFM (Conselho Federal de Medicina), define essa relação que vem crescendo nos últimos anos. A relação a que se refere o dr. D´Avila é a prática de a indústria farmacêutica influenciar os médicos através da doação de brindes, viagens nacionais e internacionais, jantares, congressos, reforma de consultórios e até mesadas em dinheiro. Uma prática que tem interferido na qualidade do medicamento que é prescrito e aumentado o preço em pelo menos 20%.



A indústria farmacêutica é uma potência, um setor de bilhões, que investe pouco em pesquisa e desenvolvimento, mas muito em publicidade e propaganda, uma média 30% do seu faturamento. A propaganda é feita de duas formas: a primeira é feita diretamente com a população, o que é um absurdo, pois com exceção dos EUA onde os laboratórios dominam, em todos os outros países desenvolvidos é proibido qualquer propaganda direta para o consumidor, não incentivando assim, a automedicação. No Brasil os laboratórios deitam e rolam, com muita propaganda, conseguiram embutir em nós uma cultura medicamentosa da saúde.



A segunda é feita diretamente com os médicos e essa também interessa muito, já que existem muitas “marcas” de diferentes laboratórios para a mesma patologia e os remédios mais caros precisam de prescrição. Com isso, a concorrência é feroz e se faz de tudo para agradar aos médicos que são a ponte para se chegar nesse mercado consumidor.



Os laboratórios compram e influenciam pesquisas e estudos e publicam em revistas especializadas no Brasil e Exterior. Recentemente a edição britânica Cancer revelou que quase um terço, 29% de todos os estudos sobre câncer publicados em 2006 pelos jornais Jama (Jornal da Associação Médica Americana), Lancet e New England Journal of Medicine apresentavam claro conflito de interesse já que 17% destes “estudos” foram pagos pela indústria farmacêutica e 12% tinham um funcionário da indústria entre os autores. Esses “detalhes” não foram revelados no momento da publicação influenciando milhares de especialistas em todo mundo. Imaginem que isso só em 2006 e apenas sobre uma doença!



Com tudo isso, são principalmente os médicos (já que são o elo de ligação) que podem e devem colocar limites na ganância sem controle dessa indústria e na cultura vendida para nós, de tomar um remédio para qualquer problema que sofremos ou achamos que sofremos. E nisso, há uma falha na maioria dos médicos que, como o Dr. Antonio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, que reúne 40 mil médicos disse, são “papagaios científicos” prescrevendo sem questionamento, aquilo que é passado, muitas vezes, por médicos que são pagos por laboratórios para venderem medicamentos como sendo muito melhores do que são.



Obviamente e é essencial destacar, que temos muitos e muitos médicos que não só não compactuam com essa prática, como também a denunciam. Várias entidades médicas, em todos os níveis, têm tomado medidas para tentar colocar limites nessa prática deplorável, inclusive a Anvisa publicou uma normativa no final de 2008, proibindo a aceitação de brindes e outros “presentes”, mas ainda não surtiu grande efeito, deixando na maioria dos casos a população à mercê da ganância dos laboratórios e de muitos “médicos que ficam subvendidos por essas pequenas miçangas” como diz o infectologista Caio Rosenthal, da Câmara de Bioética do Cremesp (Conselho de Medicina Paulista).



Por isso, é muito importante, sendo inclusive um direito, a população questionar, sim, o seu médico como também procurar outras opiniões para a sua enfermidade.



Petterson Prado é vereador pelo PPS.