quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Jornalismo Ambiental - Evolução e perspectivas

Imprensa e Pantanal

Laboratório Ambiental de Jornalismo
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Campo Grande, 29 a 31 de outubro de 1997


Jornalismo Ambiental - Evolução e Perspectivas

por Roberto Villar*

 O meio ambiente é o centro de uma disputa de poder neste final de século. Os empresários estão conseguindo roubar a bandeira dos movimentos ecológicos. As palavras de ordem agora são custo ambiental e parceria. As empresas não só descobriram que podem ganhar muito dinheiro fazendo o que os ecologistas vem dizendo há mais de duas décadas, como perceberam que evitar o desperdício e implantar tecnologias limpas é uma questão de sobrevivência no mercado globalizado.

 O "ambientalismo empresarial" ganha força. Publicamente, as grandes indústrias fazem campanhas publicitárias e plantam notícias na imprensa. Veladamente, exercem um forte lobby para afrouxar a legislação ambiental e desacreditar as ONGs. Nos discursos, defendem a liberdade de imprensa e a democracia. Nos bastidores, são soldados de uma conspiração do silêncio - a censura empresarial - criada para que a população receba apenas a versão dos poluidores. Este é o pano de fundo para entender o jornalismo ambiental dos anos 90.

 O jornalismo ambiental tem características diversas em cada região do Brasil. A existência e a própria qualidade das notícias publicadas estão diretamente relacionadas à mobilização da sociedade em torno do tema. As Organizações Não-Governamentais enfrentam dificuldades para publicar os seus pontos de vista em todo o país, mas onde a atuação das entidades é fraca, o noticiário sobre problemas ecológicos é quase inexistente.

 Os grandes grupos de comunicação do país sabem que não podem ignorar a questão ambiental, meramente por uma questão de mercado, e por isso fazem pequenas concessões, abrindo janelas periféricas aqui e ali. No entanto, mantêm o jornalismo ambiental com um status marginal. E o jornalista que se especializa é rapidamente tachado de ecochato ou ecologista, minando a credibilidade do profissional. Principalmente quando começa a discutir com profundidade as questões ecológicas e denunciar grandes empresas poluidoras.

 A imprensa brasileira dificilmente trata dos problemas ambientais com profundidade na pauta das discussões públicas. As exceções são fruto de um esforço pessoal e isolado. O meio ambiente é manchete e ganha espaço e tempo na cobertura diária quando acontecem desastres, ou quando os assuntos repercutem no exterior, como a morte de um ecologista famoso, as queimadas e os desmatamentos na Amazônia e na Mata Atlântica. A pauta ambiental ainda vem das agências internacionais.

 A grande imprensa não desvenda a promiscuidade que existe entre os órgãos ambientais e as indústrias. Também evita debater temas brasileiros, como a falta de saneamento no país.
A Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental reuniu os maiores especialistas em saneamento ambiental de 14 a 19 de setembro em Foz do Iguaçu. Os jornalistas não apareceram. Dias depois, o governador do Paraná, Jaime Lerner, promoveu os Jogos da Natureza e surgiram centenas de repórteres para registrar o espetáculo.

 Diante deste novo "ambientalismo empresarial", uma aliança entre jornalistas, cientistas e ecologistas é de vital importância para a democracia. Um cidadão só tem liberdade de escolha se ele conhece as opções existentes. Se só existe uma versão, não há o que escolher.
O cidadão não tem como confrontar as informações. Por isso, os repórteres tem que ouvir o que os pesquisadores e ambientalistas têm a dizer. Por outro lado, não podem se transformar em meros assessores de imprensa de entidades ecológicas ou instituições de ensino. É preciso bom senso e equilíbrio. Lembrando sempre que o poder da imprensa é determinar os assuntos que estarão na agenda das discussões públicas da sociedade.

 Hoje, os empresários têm mais acesso à imprensa. Poucas ONGs já aprenderam a disputar tempo e espaço na mídia. Algumas exceções são a Greenpeace e a Fundação SOS Mata Atlântica. A maioria das entidades ambientalistas não conhece o funcionamento dos veículos de comunicação, o processo de produção das notícias. Por isso, melhorar a qualidade do jornalismo ambiental não passa apenas pela educação ambiental dos jornalistas, mas também pela educação jornalística dos ecologistas.

 Além da censura empresarial, existe a omissão dos jornalistas nas redações. Quanto mais especializado, mais o repórter ou editor começa a questionar a sua concepção de mundo e o seu próprio estilo de vida. Como o jornalista pode falar de harmonia entre os homens e a natureza se não sabe o que é a harmonia? Como poderá estimular a solidariedade tendo um espírito individualista? Se é verdade que a destruição da natureza inicia no espírito dos homens, os jornalistas terão que mudar o seu próprio estilo de vida no processo de aprendizado do jornalismo ambiental.

 O jornalismo ambiental é uma especialização do jornalismo, com todas as regras gerais da profissão. A reportagem de meio ambiente tem que ser "vendida" como qualquer outra matéria. Deve ser novidade e de interesse público. A linguagem tem que ser simples. "O estilo é a arte de dizer o máximo com o mínimo de palavras", dizia Jean Cocteau. O repórter tem que oferecer boas manchetes para disputar espaço nas redações, e se diferenciar com um trabalho de qualidade. Quando fizer denúncias, deve ter provas suficientes para enfrentar a reação dos poluidores, e a pressão dos editores.

 Alguém já disse que a reportagem é a arte de reconstituir os fatos, com emoção. E com opinião, eu acrescentaria. Sem uma opinião própria fundamentada sobre os fatos não há como escrever uma boa reportagem. A neutralidade da imprensa é uma bobagem que inventaram para enganar os leigos. O que existe, e deve ser perseguida, é a honestidade. Quando escolhemos uma pauta, a abertura de uma matéria ou um título, estamos sendo parciais, vendo o mundo com os nossos olhos. Afinal de contas somos seres humanos, e não máquinas de calcular.

 Uma tendência que surge cada vez com mais força no jornalismo ambiental é a divulgação de histórias humanas e bons exemplos. Menos catástrofes e previsões científicas assustadoras, e mais dicas práticas para o dia-a-dia das pessoas. No Brasil, quem segue este estilo é o Repórter Eco, da TV Cultura de São Paulo, programa que conseguiu sobreviver à ressaca pós-Rio 92 e vem mantendo um bom índice de audiência em todo o país.

 Este tipo de reportagem educativa é de grande importância, para mostrar que é possível viver em harmonia com a natureza. No entanto, o jornalismo ambiental não pode se limitar apenas a bons exemplos. O repórter especializado tem que ser também um cão de guarda, e denunciar os desmandos. Uma matéria retrata a realidade. Se a realidade é trágica e catastrófica, a imprensa não pode criar um mundo fictício em nome da educação ambiental do público. Deve procurar, porém, contextualizar o homem dentro da natureza, e sempre apresentar os problemas com as soluções ambientalmente sustentáveis.

 O jornalismo ambiental não se limita à grande imprensa. Os jornais de bairro, rádios e televisões comunitárias também são alternativas importantes, pois permitem um envolvimento muito mais direto com o público. A pauta dos veículos reflete mais as necessidades da região. O principal jornal de bairro de Porto Alegre - Oi! Menino Deus - conseguiu fazer, entre 1995 e 1996, reportagens investigativas na área ambiental que lhe renderam diversos prêmios estaduais, vencendo até os grandes jornais gaúchos.

Breve história do jornalismo ambiental

O jornalismo ambiental é uma tendência irreversível na imprensa mundial. Depois da Rio 92, houve um retrocesso nos Estados Unidos e no Brasil. Por outro lado, cresce de importância no Leste Europeu. Apesar da diminuição de tempo e espaço em alguns países, entidades de jornalistas especializados em meio ambiente trabalham na formação de profissionais, melhorando a qualidade das matérias. A primeira organização surgiu na França, ainda na década de 60.

Em 1968, aconteceu em Paris a Conferência da Biosfera. Na mesma época, surgiu na França a primeira entidade de jornalismo ambiental. No mesmo ano, era preso no Brasil - pela Operação Bandeirantes - o jovem repórter Randau Marques, primeiro jornalista brasileiro a se especializar em meio ambiente. Randau foi considerado subversivo na época porque escreveu num jornal da cidade paulista de Franca (berço dos curtumes) reportagens sobre a contaminação de gráficos e sapateiros com chumbo, e já questionava a expressão "defensivos", mostrando que os agrotóxicos eram responsáveis pela mortandade de peixes e pela intoxicação de agricultores. Depois, Randau se especializou em assuntos urbanos e questões ambientais no Jornal da Tarde.

Pelo diário do Grupo Estado, Randau cobriu na capital gaúcha a primeira polêmica ambiental envolvendo uma grande indústria. O fechamento da fábrica de celulose Borregaard, do dia seis de dezembro de 1973 até 14 de março de 1974, atraiu a atenção de jornalistas de outros estados e do exterior. A indústria, hoje chamada de Riocell, fica nas margens do Guaíba, na frente de Porto Alegre. A poluição uniu o embrionário, mas aguerrido, movimento ecológico gaúcho. No entanto, não é a imagem de uma chaminé que representa a época. Foi a famosa foto do estudante universitário Carlos Dayrel sentado numa acácia, tirada no dia 25 de fevereiro de 1975. Ele ficou horas em cima da árvore que seria cortada pela Prefeitura para a construção de um viaduto. Os protestos dos ecologistas ganharam ampla cobertura da imprensa, amordaçada pela censura militar.

Foi depois da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, que as questões ambientais começaram a aparecer com maior freqüência na imprensa internacional. O novo boom ocorreu em meados dos anos 80, com a descoberta do buraco na camada de ozônio e as primeiras hipóteses sobre o impacto das atividades humanas no aumento do aquecimento global. A imprensa brasileira reagiu às preocupações dos países do primeiro mundo, e se voltou para os problemas ambientais da Amazônia.

Em agosto de 1989, foi realizado em São Paulo o Seminário "A Imprensa e o Planeta", promovido pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão e pela Associação Nacional de Jornais. Três meses depois, aconteceu o encontro mais importante para o jornalismo ambiental brasileiro. A Federação Nacional dos Jornalistas realizou no final de novembro, em Brasília, o "Seminário para Jornalistas sobre População e Meio Ambiente". 
Participaram especialistas internacionais, como o francês François Terrason, especialista em planejamento ecológico e agricultura, a norte-americana Diane Lowrie, da Global Tomorrow Coalition, a jornalista argentina Patricia Nirimberk, da Fundação Vida Silvestre, o tcheco Igor Pirek, da Agência de Notícias CTK, o educador Pierre Weil, da Universidade Holística Internacional e especialistas brasileiros, como o repórter Randau Marques, o professor Paulo Nogueira Neto, o físico Luis Pinguelli Rosa, o agrônomo Sebastião Pinheiro e o jornalista Fernando Gabeira.

A união dos jornalistas de meio ambiente

A partir do seminário da Fenaj em Brasília, em 1989, formaram-se núcleos regionais de jornalismo ambiental em São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, com o objetivo de criar uma entidade nacional de jornalismo ambiental. No entanto, sobrou apenas o grupo gaúcho. O Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (Nejrs) nasceu dentro do movimento ambientalista, no dia 22 de junho de 1990, num debate com o presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, filósofo Celso Marques, e o presidente da União Protetora do Ambiente Natural, jornalista Carlos Aveline.

Nestes sete anos, o Nejrs trabalhou junto com as principais ONGs gaúchas e também promoveu debates no meio universitário. Em junho de 1991, promoveu o Encontro Jornalismo e Ecologia, junto com a Ufrgs, SBPC, PUCRS e Consulado do Estados Unidos, que viabilizou um debate via-satélite. Entre abril e maio de 1992, realizou junto com a Faculdade de Comunicação da Ufrgs o I Curso de Extensão em Ecologia para Jornalistas, preparatório para a cobertura da Rio 92. O II Curso ocorreu entre novembro e dezembro de 1993, com o objetivo de discutir o papel da imprensa nos desastres ambientais. O resultado foi a publicação do Manual de Emergência para Desastres Ambientais.

O Nejrs foi agraciado pela Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul com a Medalha do Conservacionista, em junho de 1994. No mesmo ano, recebeu o prêmio Contribuição Especial da Associação Rio-Grandense de Imprensa. O Núcleo é formado por 17 jornalistas, 7 na grande imprensa, mas apenas um fazendo jornalismo ambiental diário. Os integrantes da entidade criaram o jornal Sobrevivência da Agapan e um encarte verde dentro do jornal do Sindicato dos Jornalistas, entidade que cede uma sala ao Nejrs. A próxima publicação do Núcleo será um boletim eletrônico quinzenal distribuído na Internet.

Em nível global, a principal entidade de jornalismo ambiental é a Sociedade de Jornalistas de Meio Ambiente do Estados Unidos. A Society of Environmental Journalists foi criada em 1990 por um dúzia de repórteres premiados, e atualmente tem mais de 1.100 sócios. A entidade se dedica a melhorar a qualidade, precisão e importância das reportagens de meio ambiente.Para isso, promove encontros e debates em todo o país. A Sétima Conferência Nacional da SEJ ocorreu de 3 a 5 de outubro na Universidade do Arizona, em Tucson.

A criação de uma rede mundial de jornalistas de meio ambiente foi uma das decisões do Encontro Internacional de Imprensa, Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizado entre 20 e 24 de maio de 1992 em Belo Horizonte. Batizado de Green Press, este encontro estava na agenda oficial da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92. Mas foi somente em 1993, numa reunião em Dresden, na Alemanha, que foi criada a Federação Internacional de Jornalistas de Meio Ambiente.

Atualmente, a Federação é uma aliança formada por jornalistas de 52 países. O principal objetivo da entidade é ampliar a compreensão pública dos problemas ambientais através do intercâmbio entre os profissionais especializados. Para isso, realiza encontros anuais.

O primeiro congresso ocorreu em Paris, em 1994, no Palácio da Unesco. Em 1995, a reunião aconteceu no campus do Massachusetts Institute of Technology (MIT), na cidade de Cambridge, junto com a reunião anual da Sociedade de Jornalistas de Meio Ambiente dos Estados Unidos. Depois, a Federação se reuniu em Cebu City, na Ásia (1996) e em Budapeste, na Hungria (1997). Em 1998, o Congresso será no Sri Lanka, depois na América Latina, provavelmente na Colombia, e no ano 2000 no Egito.

O Núcleo de Ecojornalistas acredita que é preciso formar uma rede virtual de jornalistas especializados em meio ambiente no Brasil, através da Internet. Desse modo, é possível trocar experiências, pautas e fontes. Também defendemos a aproximação com a Federação Internacional de Jornalistas de Meio Ambiente. Já existem no Alternex duas conferências eletrônicas para facilitar a troca de informações. Uma em inglês - env.journalism - e a outra em português e espanhol - amb.jornalismo. O intercâmbio internacional e a parceria com as ONGs e cientistas com certeza elevará a qualidade do jornalismo ambiental praticado no país.

As entidades


NEJRS - Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul

Rua dos Andradas 1270, 13.o andar, Porto Alegre.
CEP: 90020-008. E-mail: nejrs@ax.apc.org
Coordenador: Juarez Tosi
Telefone: (0xx51) 2254555 (Procuradoria da República/RS)


SEJ - Society of Environmental Journalists

P.O. Box 27280
Philadelphia, Pa. 19118
Presidente: Kevin Carmody, do Chicato Daily Southtown


IFEJ - International Federation of Environmenal Journalists

14, Rue de la Pierre Levée, 75011 - Paris, France
Tel: +330148054607
Fax: +330149239149
Presidente: Jim Detjen - E-mail: detjen@pilot.msu.edu
Secretário: Valentin Thurn

ABRAÇO - Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária

Avenida Presidente Vargas 962, sala 711 - Rio de Janeiro
CEP: 20071-002
Fone/Fax: (021) 2531154
Presidente: Tião Santos

* O autor é Roberto Villar, 29 anos, responsável pelos programas Gaúcha Ecologia, da Rádio Gaúcha, e Ecologia em Destaque, da Rádio CBN de Porto Alegre. Sócio do Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul. Cobriu pela Gaúcha duas conferências da ONU, a Cúpula da Terra, realizada em 1992 no Rio de Janeiro, e a Habitat II, em Istambul no ano passado. Já participou de dois Congressos da Federação Internacional de Jornalistas de Meio Ambiente, em Paris (1994) e Cambridge/USA (1995). Em maio de 1995, passou duas semanas na Alemanha, à convite do governo alemão, conhecendo projetos ambientais. Já recebeu mais de dez prêmios regionais de jornalismo, entre eles o Primeiro Lugar em Reportagem Geral do Prêmio da Associação Rio-Grandense de Imprensa, edição de 1996, com reportagem sobre a maior mortandade de peixes registrada no Guaíba, publicada no jornal de bairro Oi! Menino Deus