quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Sharon Dunwoody: quatro décadas de jornalismo científico

Sharon Dunwoody é uma veterana em divulgação científica nos Estados Unidos. Começou a trabalhar na área no final da década de 1960, inicialmente na prática da reportagem e da redação; depois, seguiu uma carreira acadêmica em jornalismo científico. Atualmente, é professora da Universidade de Winsconsin-Madison, onde também trabalha na formação de novos profissionais, ministrando aulas sobre jornalismo científico e ambiental.

Nesta entrevista concedida a Luisa Massarani, coordenadora do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida – que viajou aos Estados Unidos como bolsista Eisenhower Fellowships –, Dunwoody discute as mudanças ocorridas no jornalismo científico e na área de divulgação científica em geral ao longo das últimas décadas, defendendo que a área acadêmica cresceu.
Ela discute, ainda, resultados de um estudo internacional segundo o qual os cientistas afirmam que há mais benefícios que malefícios em comunicar temas de ciência, tanto do ponto de vista da legitimidade diante do público como no âmbito acadêmico – o estudo mostra que aqueles cientistas mais expostos à mídia são mais citados na literatura científica.

Dunwoody fala, nesta entrevista, sobre as estratégias que utiliza para capacitar profissionais para a prática e para a pesquisa em jornalismo científico. E vai direto ao ponto quando se discute se são os cientistas ou os jornalistas quem estão mais aptos a comunicar temas de ciência. “Eu prefiro pessoas inteligentes, seja qual for a sua formação”, afirma.
Edição: Catarina Chagas.

O que levou você a trabalhar com divulgação científica?

Tornei-me uma especialista em jornalismo científico por acaso. Enquanto estava na faculdade, estudei para ser jornalista, mas achava que trabalharia com política – tanto que cursei matérias de jornalismo e ciências políticas. Depois de me formar, em 1969, fui procurar trabalho num grande jornal da cidade, The Saint Antonio Light, e coincidentemente fui à redação um dia depois que o jornalista responsável pelas matérias de ciências tinha saído. O editor viu no meu portfolio a única matéria de ciências que eu tinha escrito e me colocou nessa editoria.

No começo, fiquei assustada, porque não tinha treinamento na cobertura de temas científicos, mas acabei adorando o trabalho. Poderia ter continuado como repórter de ciência pelo resto da vida, mas, nos anos 1970, depois de algumas mudanças de empregos, decidi começar um mestrado na Filadélfia e comecei a refletir sobre algumas questões que eu tinha como jornalista: quem lê o que eu escrevo? Alguém aprende alguma coisa com essas matérias? Quais os impactos desses textos no público? Nenhum editor no meu jornal tinha respostas para essas questões.

Resolvi, então, mudar o foco da minha carreira e tornar-me uma pesquisadora que buscava respostas para aquelas perguntas que o trabalho como jornalista havia suscitado. Concluí o doutorado em comunicação de massa na Universidade de Indiana em 1978 e emergi como acadêmica: meu primeiro emprego em universidade foi ainda no final dos anos 1970, a Universidade Estadual de Ohio. Desde 1981, estou na Universidade de Winsconsin-Madison, onde dou aulas de jornalismo científico e pesquisa em comunicação da ciência, além de manter linhas de pesquisa sobre esses temas.

Como são os cursos que vocês oferecem na área de jornalismo científico?

Trabalhamos em dois cursos: um sobre redação em ciências e outro para pensar em questões importantes sobre as quais os jornalistas científicos devem refletir, como a audiência, as relações entre cientistas e jornalistas, o papel das narrativas etc. Algumas pessoas se perguntam como é possível fazer um programa de mestrado em jornalismo científico com tão poucos cursos, mas a verdade é que todas as disciplinas que ensinamos na escola de jornalismo são relevantes para o jornalismo científico.

Jornalistas científicos precisam ter, em grande parte, as mesmas habilidades necessárias aos jornalistas de outras áreas. Nos cursos mais específicos, procuro me concentrar em habilidades como saber explicar as coisas. Embora isso seja importante para jornalistas de outras áreas, acho fundamental que um curso de jornalismo científico aborde isso.

Mas, de um modo geral, os alunos que saem daqui vão trabalhar em contextos muito diferentes, como meios de comunicação de massas, ONGs, empresas e outros. Então, o importante é que saiam do curso com fortes habilidades genéricas: como explicar, como entender as questões colocadas pelas fontes, como avaliar se as fontes estão corretas, como contar histórias, como atrair a atenção da audiência e oferecer-lhe informações importantes, como usar recursos multimídia e imagens para complementar as informações... Nada disso é exclusivo do jornalismo científico, mas são aptidões importantes para o trabalho.

Além, disso, também encorajamos os alunos a fazer cursos em outras escolas da universidade, de modo a complementar sua formação em outras áreas, como história, filosofia e sociologia da ciência.

Qual o perfil dos alunos?

Atualmente oferecemos treinamento para estudantes de graduação e, principalmente, para graduados que cursam mestrado profissional. Um detalhe interessante é que, sobretudo na pós-graduação, os alunos nem sempre vêm da área de jornalismo. Cerca de metade das turmas é formada por outros profissionais de variadas áreas: biólogos, químicos, antropólogos, zoólogos... Isso reflete um movimento que existe nos Estados Unidos de investir em pessoas com formação em ciências para serem divulgadores científicos. Eu tenho uma visão diferente: quero pessoas inteligentes, seja qual for a sua formação.

A meu ver, a instrução formal não prediz a qualidade do trabalho de um jornalista científico. Ter uma formação em ciências certamente não prejudica o trabalho, pode até oferecer vantagens diferenciadas. Mas o fator que mais influencia na qualidade do trabalho não é a instrução formal, e sim o número de anos em que o profissional realmente atuou como jornalista científico. Como em todas as profissões, a experiência é quem mais contribui para a qualidade do trabalho feito. Por isso, estou sempre aberta a pessoas com qualquer formação, desde que tenham motivação e desejem dedicar muita energia à difícil tarefa de escrever sobre ciências.

Como é a procura pelos cursos que vocês oferecem?

Nos Estados Unidos há um grande interesse por jornalismo científico como uma área profissional, sobretudo por parte dos cientistas. Eles estão começando a perceber que grande parte das pessoas que fazem doutorado em ciências não vai trabalhar em instituições de pesquisa. Os alunos se tornam professores, trabalham em indústrias privadas, administração de laboratórios, divulgação científica. Muitos estudantes de ciências nos Estados Unidos agora identificam a divulgação científica como uma possível alternativa à carreira científica.

Por outro lado, precisamos ser claros com os nossos estudantes em relação a como poderá ser seu futuro nessa área. Observo, por exemplo, que a maioria dos alunos que vêm para o nosso programa de jornalismo não está interessada em jornalismo científico nos meios de comunicação de massa, mas querem trabalhar em ONGs, em campanhas de informação, querem mudar o mundo.

Como é a estrutura formal do curso?

Temos um sistema no qual os alunos do mestrado profissional devem cursar 30 créditos. Sugerimos que eles dividam esses créditos em três grupos. O primeiro é de cursos que ajudem a desenvolver um grupo específico de habilidades, como escrita, programação visual, campanhas de informação etc. O segundo grupo é mais voltado à reflexão sobre o campo de trabalho, incluindo disciplinas sobre ética, história do jornalismo e da divulgação científica, aspectos legais do jornalismo, efeitos das mensagens e outros. Por fim, um último grupo de créditos deve ser dedicado a sair da área de comunicação e pegar cursos para adquirir conteúdo em campos específicos do conhecimento científico.

Como é um programa de dois anos, o aluno não se torna um especialista em nenhuma dessas áreas. Nenhum programa, sozinho, pode oferecer, ao mesmo tempo, todas as habilidades necessárias para trabalhar com jornalismo científico na internet, na TV e em todos os outros meios. Nosso objetivo, então, é oferecer alguns conhecimentos fundamentais e, mais importante, a habilidade de aprender as diferentes facetas da divulgação científica uma vez que os alunos decidem por que caminho seguir em seus trabalhos.

Além desse treinamento mais profissional, você falou que havia um treinamento para a pesquisa em divulgação científica. Como isso se dá?

No mestrado, nos concentramos no desenvolvimento de ferramentas que possibilitem ao estudante realizar seu projeto de pesquisa. Se ele está interessado em pesquisa qualitativa, por exemplo, é encaminhado para cursos afins, como etnografia e leitura crítica de textos. Se deseja, por outro lado, realizar pesquisas quantitativas, pode cursar disciplinas de estatística, métodos experimentais, análise de dados etc. Ao fim do curso, o aluno escreve uma dissertação.

Esta etapa é um pré-requisito para quem deseja fazer nosso curso de doutorado, no qual o estudante deve cursar 65 créditos de disciplinas e também estar engajado em pesquisas. Embora os alunos sejam bem-vindos para trabalhar qualquer conteúdo em divulgação científica, pedimos que eles realmente se especializem em uma área específica, e então escolham junto com o orientador os cursos mais adequados às suas necessidades. Como a maioria das disciplinas que nossos alunos fazem estão fora da escola de jornalismo, é muito bom que estejamos numa universidade com pesquisas em várias áreas.

Além de ministrar aulas, parte do meu trabalho é orientar os alunos em grupos de pesquisa informais. É aí que se dá o verdadeiro treinamento de pesquisa: em trabalhos de verdade, que depois vamos publicar. Um de nossos grupos, por exemplo, fez uma análise de conteúdo complexa da cobertura da mídia sobre pesquisa com células-tronco. Outro, um levantamento nacional sobre a percepção pública em nanotecnologia e suas implicações sociais. A nanotecnologia também é tema de outros estudos, relacionados à cobertura da imprensa americana sobre o tema e a como diferentes estratégias de narração podem afetar o que as pessoas aprendem sobre isso.

Todos esses estudos são feitos pelos alunos de maneira informal, mas eles ficam bastante engajados, e esta é a chave para a alta qualidade dos treinamentos de doutorado que oferecemos aqui.

Esses trabalhos informais são diretamente ligados à tese dos alunos?

Eles podem ser – e este é o caso de muitos. Uma grande parte dos alunos planeja usar parte dos dados gerados nessas pesquisas em suas teses. Mas também temos alunos que participam desses grupos e depois desenvolvem seus próprios experimentos de forma independente.

Você acompanha seus alunos depois que eles acabam o curso? Tem alguma idéia de quantos deles continuam trabalhando na área?

Tentamos fazer isso, mas é muito difícil. A escola de jornalismo faz uma pesquisa sistemática dos alunos para tentar descobrir onde eles estão, e esses resultados nos ajudam a montar nossa grade curricular.

Também tentamos monitorar o campo de trabalho como um todo, pesquisamos onde estão as vagas de empregos, mas é difícil prever o que a próxima geração de jornalistas estará fazendo.

E quanto aos alunos que treinam para a pesquisa, quais suas perspectivas de trabalho?

Como a comunicação é uma área muito popular nas universidades americanas, não temos problemas em colocar nossos alunos no mercado, como professores universitários. Esta ainda é uma área em crescimento.

Da época em que você começou a trabalhar com divulgação científica até hoje, houve mudanças significativas nesse campo de trabalho?

Houve enormes mudanças, de todos os tipos. Uma grande mudança é que a divulgação científica, na comunidade acadêmica dos Estados Unidos, deixou de ser uma área na qual trabalhavam pouquíssimos pesquisadores; agora a comunidade é maior. Embora a comunicação seja uma área popular de pesquisa aqui, a comunicação em ciências ainda é uma área pequena, mas tem crescido nos últimos 30 anos. Atualmente, em cada grande universidade há alguém trabalhando nessa área.

Outra coisa que está mudando – e facilitando o crescimento dessa comunidade – é que nós agora temos revistas especializadas nesse campo, como Public Understanding of Science e Science Communication, além de outros periódicos de outros países. Tudo isso é recente, mas dá uma idéia de quanto conhecimento nós produzimos.

Além disso, a qualidade da formação e geração de saberes em divulgação científica oferecida hoje em vários países é muito maior do que 25 ou 30 anos atrás. Nosso campo está amadurecendo e cada geração é melhor do que a geração que veio antes.

Por fim, no mundo profissional, grandes mudanças estão acontecendo agora. A natureza do jornalismo – e, por conseqüência, do jornalismo científico – está começando a mudar. Ao menos nos Estados Unidos, o jornal, como um meio de comunicação de massa, está em declínio. Em algumas décadas, teremos grandes cidades sem nenhum jornal. Muitos jornais importantes estão fechando.

Mas isso é porque as pessoas não estão lendo ou porque elas têm acesso às notícias pela Internet?

Um pouco de cada. Um grande número de leitores está buscando a internet, mas também há sinais de mudança na maneira como as pessoas estão monitorando o que está ao seu redor. Há muitas pessoas, jovens adultos, que não observam noticiários de maneira regular. Se eles escutam sobre algo que está acontecendo, eles podem buscar no Google para encontrar mais sobre isso, mas não lêem diariamente os jornais nem vêem noticiários televisivos. Embora esses jovens estejam na internet o tempo todo, não acho que seja para ler notícias.

Agora, a questão séria que nos fazemos é: estaria o jornalismo acabando? Não estou falando só do jornalismo científico, mas do jornalismo num sentido mais genérico. Essa é uma boa pergunta para nos fazermos, porque precisamos saber para que estamos treinando nossos alunos.

Você poderia falar um pouco dos resultados da sua pesquisa sobre como a mídia de distintos países aborda as células-tronco?

Foi um estudo muito interessante, com financiamento do governo alemão, em que avaliamos percepções dos cientistas nos cinco países que identificamos como os mais importantes em pesquisa e desenvolvimento – Estados Unidos, Alemanha, França, Grã-Bretanha e Japão. Em cada país, criamos grupos de pesquisa para conduzir o levantamento, que tinha como objetivo entender o engajamento dos cientistas nas atividades de comunicação.

Como não poderíamos avaliar todas as áreas, escolhemos dois temas relacionados às ciências da vida, que tendem a ter mais cobertura da mídia do que outras. Escolhemos epidemiologia porque muito da pesquisa nessa área tem clara aplicação em problemas enfrentados pela sociedade, o que nos fez pensar que cientistas dessa área teriam grande compromisso com a divulgação e o jornalismo. Além disso, pegamos as células-tronco por ser um campo crescente dentro das ciências básicas e uma área polêmica, controversa, o que poderia influenciar a postura dos cientistas em relação à divulgação.

Vimos que os cientistas desses dois campos se comportavam de forma muito semelhante e que, embora houvesse diferenças entre países, essas diferenças eram pequenas. Essa pesquisa confirmou uma coisa que eu já pensava: esses cientistas estão em contato regular com a imprensa. Em todos os países, cientistas mostraram que freqüentemente interagiam com jornalistas, muito mais do que as pessoas acham que eles o fazem.

Além disso, descobrimos algo novo. Os cientistas reportaram que obtêm mais benefícios que malefícios desse relacionamento com a imprensa. Historicamente, não era assim. Os cientistas costumavam dizer – e muitos ainda dizem – que o contato com jornalistas produz maus resultados. Mas muitos estão começando a perceber que há pontos positivos nessa interação com os jornalistas.

Por exemplo, nos Estados Unidos há evidências de que a visibilidade pública não apenas aumenta a percepção de legitimidade de uma pesquisa na população leiga – inclusive entre os formuladores de políticas, o que ajuda a conseguir mais fundos –, como também aumenta a legitimidade frente aos outros cientistas.
Alguns estudos mostraram que cientistas que com visibilidade pública são, inclusive, mais citados na literatura cientifica. De alguma maneira, a ciência também usa os meios de comunicação de massa para decidir o que é importante em seus campos de atuação. Então, a visibilidade pública traz enormes benefícios aos cientistas.

O que nossa pesquisa mostrou é que os cientistas finalmente perceberam isso e que agora estão aprimorando sua relação com a imprensa e o público, investindo em treinamento para isso. Nesse contexto, cria-se um ambiente de trabalho diferente para os jornalistas: os cientistas não fogem mais deles; ao contrário, estão interessados nessa interação.

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