sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A ciência e os suplementos infantis

Ano I - Nº 01 - Abril de 2007



Wilson da Costa Bueno*

Inúmeros jornais e revistas brasileiros têm mantido com sucesso, desde longa data, suplementos destinados às crianças e jovens, geralmente encartados nas suas edições de fins de semana. Embora alguns tenham sido inspirados em uma proposta essencialmente mercadológica, constituem-se (e a sua permanência no mercado indica isso) em espaços importantes de interação com esse segmento de leitores.

O conteúdo destes suplementos é bastante diverso e a sua temática abrange atualidades, educação, ciências, literatura, variedades etc, ou seja, um leque bastante amplo e que varia em termos da prioridade definida pela sua política editorial.

Para os jornalistas e divulgadores científicos, interessa-nos especialmente observar o espaço (quantidade de inserção) e a qualidade das informações sobre ciência e tecnologia presentes nestes veículos.

As pesquisas em comunicação em geral que têm esses veículos como objeto não são comuns no Brasil, mas pelo menos a ANDI – Agência Notícias dos Direitos da Infância tem se preocupado com o seu impacto e contribuição na formação dos jovens e crianças brasileiras A pesquisa Mídia dos Jovens, já repetida em algumas oportunidades, analisa, entre outras mídias, a relevância social das notícias inseridas nos suplementos infantis .

A ciência e a tecnologia, em particular associadas á divulgação de notícias de saúde e mais recentemente de meio ambiente, já ocupam papel de destaque nestas publicações e, ao contrário do que se poderia supor, o uso de fontes especializadas tem crescido, indicando que as informações estão gradativamente sendo qualificadas nestas áreas.

Apesar disso, alguns problemas e desafios precisam ainda ser superados e muitos deles têm sido apontados pelos relatórios da ANDI.

Em primeiro lugar, muitos suplementos infantis não têm bem definido o seu público, ou seja, não sabem se estão se dirigindo a crianças de 8, 10 ou 12 anos e esse dado é fundamental. Afinal de contas, dois ou 4 anos fazem uma diferença enorme neste período da vida porque implicam maior ou menor experiência de vida, volume e nível de informações distintos e, o que é mais importante para os comunicadores, dependendo da idade serão necessários conteúdos (pautas, para usar o jargão jornalístico) e discursos também distintos.

Em segundo lugar, alguns suplementos imaginam a criança ou o jovem a partir de uma perspectiva tradicional e subestimam a sua capacidade de compreender ou de se interessar por determinados temas, preferindo adotar uma visão simplista. Repetem os papais e mamães que insistem em se comunicar com as crianças como se elas fossem eternos bebês, o que, numa sociedade da informação como a que vivemos, é totalmente inadequado.

Em terceiro lugar, praticam a chamada pedagogia da verdade, isto é, apresentam os fatos como se fossem verdades incontestáveis, não estimulando a reflexão, o debate em torno de questões complexas e que não deveriam ser tratadas como “questões fechadas”. Ao longo de sua vida, os jovens irão, gradativamente, percebendo que há sempre visões distintas (muitas vezes antagônicas) sobre um mesmo problema e isso ficará evidente nas discussões sobre células-tronco, aborto, uso da camisinha, vantagens ou desvantagens dos transgênicos, eficácia da homeopatia etc.

As pesquisas da ANDI, particularmente o Relatório de 2002, demonstram também uma preocupação que deveria ser levada absolutamente a sério: o fato de algumas matérias dos suplementos infantis incluirem, de forma velada, mensagens comerciais, ou seja, estarem sutilmente (pelo menos para as crianças, já que não é difícil para adultos atentos perceberem a má intenção destas inserções) promovendo a venda de produtos.

A separação entre o que é conteúdo editorial, independente, comprometido com a cidadania e a relevância social e o que é publicidade deveria estar clara, mas, infelizmente, os nossos empresários da comunicação e editores, em sua maioria, insistem em promover esta confusão ou ambigüidade para atender a interesses de empresas inescrupulosas ou não éticas. E isso não acontece apenas nos suplementos infantis mas nos veículos como um todo.

O marketing voltado para as crianças tem causado um terrível prejuízo para esse segmento, estimulando o consumo não consciente e criando hábitos não saudáveis (como tem sido o caso de empresas que fazem a apologia do fast-food e de bebidas sem qualquer valor nutritivo).

Os suplementos infantis deveriam ser considerados pelos jornalistas científicos como veículos importantes e seria importante que os pesquisadores nas universidades ou fora dela os estudassem melhor e que os profissionais os contemplassem como espaços importantes para a alfabetização científica.

Um equívoco importante, no entanto, é imaginar que os suplementos infantis possam ser utilizados para “aula de ciências” porque se constituem, antes de tudo, em um espaço aberto, livre, criativo que deve promover o estímulo à leitura. Aqui, mais do que nunca, o jornalista científico deve refinar a sua capacidade de contar histórias, de reforçar conceitos e de trazer informações ou conhecimentos que estejam em sintonia com a realidade de vida dos pequenos leitores. Por isso, antes de tudo, é preciso conhecê-los melhor, interagir com eles. O bom suplemento infantil não será jamais aquele que é feito para as crianças, mas com as crianças. Aí está um desafio prazeroso que valeria a pena encarar.

*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e professor de Jornalismo da ECA/USP. Diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.


Fonte: Jornalismo Científico

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