quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Como a mente cria o mundo - Jornalismo científico e literário

Novo livro do escritor Oliver Sacks mostra como mente "cria" mundo
 24/11/2010 - 07h35


Autor de romances policiais, o canadense Howard Engel chegou a imaginar que estava sendo vítima de uma estranha conspiração ao tentar ler o jornal numa manhã de julho de 2001.


"Quando eu focalizava as letras, ora pareciam cirílico [alfabeto do russo e de outras línguas eslavas], ora coreano", contou Engel em carta ao neurologista e escritor britânico Oliver Sacks. Não era um plano maligno da KGB: Engel tivera um derrame numa pequena área do lado esquerdo do cérebro.

Ouça comentários do jornalista sobre o livro:

Anedotas como essa se juntam como as peças de um quebra-cabeças em "O Olhar da Mente", livro de Sacks que acaba de chegar ao Brasil. A mensagem mais ampla é clara: não há nada de automático na maneira como achamos que vemos o mundo.

Histórias como as de Engel mostram que o conjunto olho-cérebro está menos para câmera digital e mais para simulador de realidade virtual, usando pistas às vezes enviesadas para construir um modelo do mundo na cabeça de cada pessoa.

Na entrevista abaixo, Sacks fala da relação entre ciência e literatura e diz que a interface entre cérebro e máquinas tem potencial para revolucionar o modo como os sentidos funcionam.
Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Oliver Sacks em palestra em São Paulo
O neurologista e escritor britânico Oliver Sacks, que está lançando o livro "O Olhar da Mente", durante palestra em São Paulo
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Folha - Como é que o sr. normalmente escolhe o fio condutor de um livro? O sr. começa com o tema na cabeça e depois busca relatos de pacientes que se encaixem na ideia, ou é o contrário?

Oliver Sacks -
 Depende muito de quem me contata, do que acontece no meu cotidiano. Acidentes desempenham um papel muito grande para um médico. As coisas não são nem de longe tão sistemáticas quanto o cotidiano de um cientista.

Por que ainda é raro ver livros sobre ciência serem reconhecidos como literatura?
Fico tentado a dizer que algumas pessoas naturalmente vão gostar mais desse tipo de obra do que outras. Não penso em mim mesmo como um homem de letras. O que tento é dizer as coisas com a maior clareza e maior naturalidade possíveis.

Acho que é importante ler em voz alta. Quando escrevo, tento ouvir cada frase na minha cabeça, e acho que esse ouvido para o que se está escrevendo é crucial.

Os casos extremos que o sr. descreve ajudariam a mostrar que até as pessoas que chamamos de normais apenas usam seu cérebro para construir uma espécie de modelo do mundo, que nunca é a mesma coisa que o "mundo real" em si?
Em primeiro lugar, não penso em meus casos como extremos. Acho que eles apenas são os mais exemplares, digamos.

Quando falamos de coisas como o ato da leitura, ou a capacidade de reconhecer rostos, a tendência é considerar essas habilidades como algo natural. E as pessoas não têm a menor ideia de como essas coisas funcionam.

Isto é, a menos que você as analise. E ver pessoas cujas faculdades de reconhecimento foram esfaceladas faz, por exemplo, com que seja possível perceber que certa capacidade está associada a certa parte do cérebro.

Dessa maneira, você aprende que é possível saber o que a leitura ou o reconhecimento de rostos são em todas as demais pessoas. Ou seja: estudar um cérebro anormal lança muita luz sobre os cérebros normais.

Na última década, as pesquisas cujo objetivo é criar interfaces entre o cérebro humano e as máquinas avançaram muito. Qual o potencial dessas tecnologias para mudar a maneira como as pessoas percebem o mundo?
Conectar o cérebro a máquinas que possam se movimentar é muito empolgante para pessoas que ficaram paralisadas, pessoas que estão "trancadas" dentro do próprio cérebro por causa de alguma lesão e não possuem nenhum modo de se comunicar com o mundo exterior.

Na parte final do meu livro, abordo a chamada substituição sensorial, na qual uma câmera de vídeo é conectada a eletrodos implantados na língua do paciente.

Essa pessoa, então, é capaz de interpretar esses estímulos sensoriais na língua como uma percepção visual, mesmo que ela não enxergue. Isso não exige a implantação de eletrodos no cérebro. Mas nós vemos e ouvimos com nosso cérebro, e em breve vai ser possível --é algo que já foi conseguido em modelos animais-- enxergar com essas interfaces.
E isso vai revolucionar a medicina.

Pautas científicas: por onde ir?

20/08/2010 -
A evolução das teorias

Os cientistas têm todo tipo de explicação para o surgimento dos humanos – da dança à rebeldia adolescente. Alguma delas vai resistir à pressão seletiva?
O que nos tornou humanos? Até pouco tempo atrás, havia poucas teorias para explicar o salto evolutivo que conferiu a nossos ancestrais a capacidade de raciocinar. O polegar opositor era uma candidata – deu a um grupo de hominídeos a chance de fazer movimentos de pinça, com os quais pôde produzir ferramentas. Outra tese era a linguagem. A possibilidade de falar nos fez criar símbolos, a essência de uma cultura. Uma terceira teoria era a vida em grupo. A necessidade de memorizar rostos e saber quem era fiel, quem traía, quem estava acima ou abaixo na hierarquia social teria dado origem a nossa inteligência.

Todas essas teses são ótimas. Mas não chamam mais a atenção. Em seu lugar, uma série de hipóteses mais ousadas tem ganhado espaço no meio científico. A mais recente é que devemos nossa inteligência... aos animais. Em artigo na revista Current Anthropology, a americana Pat Shipman, da Universidade da Pensilvânia, diz que nossos ancestrais tiveram de entender o comportamento dos animais porque eram presa e, a partir da criação de ferramentas, também predadores. “Esse entendimento levou à linguagem e, em um último estágio, à domesticação dos animais”, me disse Shipman por e-mail.

Se você acha essa ideia esquisita, que tal a tese de que nós viramos humanos porque aprendemos a cozinhar? Ou porque gostamos de música? Ou – a minha preferida – porque nossos adolescentes são mais chatos que os adolescentes dos outros animais? Todas elas foram defendidas nos últimos dois anos (leia o quadro abaixo).

A evolução das teorias sobre nossa evolução tem um motivo: a seleção natural das pautas de revistas científicas. Quanto mais inusitada a proposta, mais chance de chamar a atenção – e de ser publicada.

Isso não quer dizer que elas não tenham mérito. Se não soubéssemos cozinhar, por exemplo, nosso maxilar teria de ser muito mais desenvolvido para mastigar alimentos duros e nosso estômago teria de ser maior (como o dos chimpanzés). Sobrariam menos espaço e energia para o cérebro.

O problema não é com as teorias inusitadas em si, mas com o próprio fato de procurar a atividade isolada que nos tornou humanos. “Procurar por um único aspecto é perda de tempo”, diz o psicólogo americano Michael Gazzaniga, da Universidade da Califórnia. “Posso falar porque já tentei.” E ainda tenta. Gazzaniga hoje aposta que nos tornamos humanos ao aprender a controlar impulsos e postergar o prazer.

“Cada evento em nossa evolução, seja cantar, cozinhar ou domesticar animais, é consequência de uma necessidade, que levou a outra”, diz o etólogo Eduardo Ottoni, da Universidade de São Paulo. E a necessidade de criar teorias, de onde terá vindo?


  Reprodução


Assista como as ilustrações acima foram feitas:



quarta-feira, 10 de novembro de 2010

As funções de um jornalista, por Fernando Kelysson

JORNALISMO & CREDIBILIDADE
As funções de um jornalista
Por Fernando Kelysson em 9/11/2010
As funções que competem ao jornalista vão além do que meramente informar. Não é preciso ser jornalista para ser informante, uma vez que tudo que atinge os nossos sentidos é informação. O informante é, sim, a fonte do jornalista. A priori, o que confere status social a um jornalista é o fato de ele utilizar as mídias de massa (jornais, revistas, TV, rádio) em seu ofício e assim ter visibilidade. A primeira função de um jornalista é transformar informação em notícia, o que implica organizar o grande volume de dados por meio de diversos processos: classificar, priorizar, hierarquizar, incluir, excluir, adaptar, expor etc. Esses processos são tecnicamente chamados de edição.

O trabalho de um jornalista também consiste na transliteração: adequação de linguagem. O jornalista traduz termos técnicos e assuntos complexos em notícia simples para que o leitor leigo possa compreender do que se trata. O jornalista faz uma espécie de mediação, por exemplo, entre um economista que trabalha com câmbio e uma dona de casa que vai ao supermercado comprar víveres. O economista falará de taxa Selic, ações no mercado de capitais e a dona de casa dificilmente compreenderá isso. Então surge a função benfazeja do jornalista para explicar-lhe de que modo esses fatores vão interferir na realidade de seu cotidiano, ou seja, se vai contribuir para a abertura de novos postos de emprego ou se isso vai aumentar ou diminuir os preços nas prateleiras.

Outra função do jornalista é contextualizar essas informações para seu público e ainda refletir com ele suas implicações. Há uma grande diferença entre o jornalista que informa, por exemplo, "Dilma foi eleita presidente da República" e o que procura refletir o que isso significa para nosso país. Há no jornalismo um engajamento que prima por promover bens noticiosos de utilidade pública e isso vai além de informar: consiste em comparar, alertar, prevenir, explicar etc.


O jornalista é um pessimista

Há ainda outra função, e que considero uma das mais importantes e árduas exercidas pelo jornalista: a função crítica. Essa está visceralmente ligada à democracia e tem como condição sine qua non a liberdade de imprensa – embargada durante os negros anos da ditadura militar. Um dos mais experientes professores que tive na academia me disse que os melhores jornalistas que ele conheceu eram anárquicos, contraculturais, revolucionários. Na verdade, a contestação e o questionamento são inerentes ao bom jornalista. É por isso que essa profissão é antipatizada pelas autoridades ou por aqueles que estão no poder. É por isso que a primeira providência em uma ditadura é a censura – calar a imprensa. O bom jornalista pouco concorda, muito questiona.

Fazer jornalismo é procurar os problemas e apontá-los com a boa intenção de quem está procurando melhorias constantes para a população, e não buscando forjar uma manchete venal. O jornalismo é uma profissão desapaixonada, despida de ilusões e otimismos baratos, o jornalista é um pessimista e os principais critérios de noticiabilidade são os desvios, as rupturas, os problemas, a alteração da ordem. É a máxima que aprendemos: um cão morder um homem não é notícia, um homem morder um cão é notícia. O que está bem e normal é digno de pouca nota. O fato de um avião chegar ordinariamente ao seu destino não é digno de notícia, mas se ele cair, aí sim, haverá frenesi nas redações, nas bancas e no Ibope.

A verdade rara

O jornalista é mal remunerado, não tem jornada de trabalho, muito menos horário para realizar suas coberturas. Quem pauta horários, jornadas e tarefas é o destino. Se explodir uma bomba no Congresso Nacional às 3 da manhã, o jornalista não irá esperar o expediente começar para agir. Os jornalistas trafegam na contramão do sistema, denunciando irregularidades, flagrando injustiças, comprando brigas, fazendo inimigos em nome de seu nobre dever: trazer à baila o oculto que deve ser revelado para o bem do público. 

Jornalista lida constantemente com conflitos de interesses, por isso tem de ouvir as partes; sabe de coisas graves que nem sempre pode publicar, por isso tem de ser frio e falar pouco; precisa ter sempre, e limpa, a água de sua informação, por isso jamais pode revelar sua fonte; tem de ser ligeiro e ter boas relações e contatos para sempre aparecer com um furo de reportagem. Partindo da noção de que conhecimento é fundamental que o jornalista é um personagem estratégico na conjuntura social.

Subordinada à reconfiguração, em curso, do sistema midiático, a posição do jornalista contemporâneo tem sofrido mudanças: as informações circulam na internet a solto, mentiras e verdades chegam até nós sem um filtro responsável que os possa regular. Desse modo, o jornalista começa a perder seu protagonismo em relação à informação e a força de sua presença começa a se fazer sentir miúda até nas mídias tradicionais. 

A imprensa vive também crise de verdade e, consequentemente, de credibilidade. Chega-se à informação confiável por meio de acesso ao conteúdo jornalístico liberto das linhas de conduta institucionais, preparado por um ínfimo e seleto grupo de jornalistas independentes, libertos das amarras editoriais e não vinculados à comercialização. Convém também comparar e checar os conteúdos, pois a verdade pura e cristalina, em nossos dias, tem a valia dos raros diamantes.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Bastidores


William Bonner explica como são preparadas as matérias que vão ao ar no Jornal Nacional


Diz como  funcionam as reuniões de pauta e como é o processo de escolha do conteúdo que entra no telejornal.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Artigo - jornalismo científico: videojogos, neurojogos

Videojogos, neurojogos

Psicólogos americanos concluíram que os videogames de ação podem trazer benefícios cognitivos para os usuários e estimular a aprendizagem. Roberto Lent discute os resultados surpreendentes desse estudo e defende o uso desses jogos na educação.
Publicado em 29/10/2010 | Atualizado em 29/10/2010
Videojogos, neurojogos
Ao contrário do que se poderia supor, os videjogos podem ser benéficos para as crianças e para os adultos: depende do conteúdo... (foto: Sean Dreilinger – CC 2.0 BY-NC-SA).
Pais e professores expressam sempre grande preocupação com a influência que as novas tecnologias de comunicação podem ter sobre o funcionamento do cérebro e o desempenho neuropsicológico das crianças.
Segundo os pessimistas, estamos à beira do apocalipse: assoladas pelo excesso de informação, pela atordoante exposição às novas mídias e pela inexorável superficialidade dos conteúdos transmitidos, nossas crianças e jovens tenderiam à deseducação, à agressividade e à falta de profundidade cultural.
Dispomos hoje de um acervo de possibilidades de acesso à cultura e à educação nunca antes imaginado
Não creio que seja assim. Nossos avós se preocuparam com a destruição do teatro pelo cinema, e nossos pais com o desaparecimento deste, ameaçado pela emergência fulminante da televisão.
Também imaginaram que os concertos de música ao vivo seriam substituídos pelas gravações em estúdio lançadas em discos de vinil e depois em CDs. Agora, nos preocupamos com o fim do livro impresso, prestes a ser enterrado pelos computadores e e-books...
Nada disso ocorreu. Ao contrário, as novas tecnologias se somaram às mídias mais antigas, e a humanidade dispõe hoje de um acervo de possibilidades de acesso à cultura e à educação nunca antes imaginado.
Kindle
A emergência de e-books como o Kindle, mostrado na foto, não ameaça os livros de papel: as duas tecnologias devem coexistir no futuro (foto: Phillip Torrone - CC 2.0 BY-NC-ND).

Separar o joio do trigo

Não é razoável culpar os formatos sem analisar seu conteúdo. Há livros bons e livros ruins, filmes educativos e outros que estimulam a agressividade e desagregação social. Do mesmo modo, há programas de TV de grande eficácia educacional, outros inócuos e outros ainda negativos. O formato é em princípio neutro: o conteúdo é que importa!
Não é razoável culpar os formatos sem analisar seu conteúdo
O seriado infantil Vila Sésamo foi analisado por educadores e psicólogos americanos há cerca de cinco anos, e a conclusão foi que tem uma influência positiva na alfabetização das crianças.
Por outro lado, o programa Teletubbiesprovocou o contrário: diminuição do vocabulário e das habilidades linguísticas das crianças telespectadoras. Duas iniciativas com a melhor das intenções, formatos semelhantes e resultados diametralmente opostos...
Vila Sésamo e Teletubbies
Dois programas com finalidades educativas, mas resultados opostos (imagens: reprodução).
Da mesma forma, os programas de computador idealizados para “exercitar o cérebro” de crianças e adultos aprimorando sua capacidade cognitiva podem não fazê-lo. Pior: eles podem até causar uma piora dos indicadores intelectuais dos usuários. Ao contrário, tecnologias criadas apenas para o entretenimento – como os videojogos de ação – podem causar benefícios inesperados.
É preciso, portanto, analisar caso a caso para separar o joio do trigo. E, como em todas as coisas, deve-se distinguir entre uso e sobreuso: comer é necessário e bom; comer demais pode causar dependência e obesidade.

Videojogos e aprendizagem

Partindo dessa ideia aberta e sem preconceito, um grupo de psicólogos americanos da Universidade de Rochester, liderados por Daphne Bavelier, analisou o impacto dos videojogos de ação sobre os mecanismos de aprendizagem e os possíveis determinantes cerebrais de sua ação. Os resultados foram surpreendentes.
O estudo foi feito em 23 rapazes com cerca de 20 anos de idade, divididos em dois grupos: jogadores regulares, que no ano anterior tinham utilizado videojogos de ação ao menos 5 horas por semana; e não usuários, que não tiveram qualquer prática no mesmo período.
Para definir “jogos de ação”, a equipe considerou aqueles que apresentam alta velocidade de eventos e imagens, grande exigência perceptual, cognitiva e motora, múltiplos focos de atenção (diferentes itens apresentados simultaneamente), imagens apresentadas nas bordas da tela e imprevisibilidade (surpresa) temporal e espacial.
Homem Aranha (videogame)
Cena do jogo 'Homem-Aranha: teia de sombras'. O estudo americano mediu como a aprendizagem é influenciada pelo uso dos jogos de ação, caracterizado por alta velocidade de eventos e imagens, grande exigência cognitiva e imprevisibilidade temporal e espacial, entre outros aspectos (imagem: reprodução).


Os 23 sujeitos foram submetidos a testes para identificar a direção de movimento predominante entre muitos estímulos visuais projetados simultaneamente em um monitor de computador. Eles deviam apertar um botão para indicar se o movimento predominante era para a direita ou para a esquerda. Os pesquisadores podiam variar a proporção de estímulos com movimento sincronizado, misturados a outros movendo-se em todas as direções.
Além disso, os participantes foram solicitados a identificar tons musicais puros de diferentes intensidades, misturados a um chiado constante como uma estação de rádio fora de sintonia. Nesse caso, os tons eram apresentados a um ouvido ou outro aleatoriamente, e os rapazes tinham que apertar os mesmos botões indicando o ouvido direito ou o esquerdo.
O resultado foi interessante: jogadores regulares e não usuários apresentavam igual precisão na identificação dos estímulos, tanto visuais como auditivos. Mas os primeiros eram muito mais rápidos no gatilho: apertavam o botão certo mais rapidamente que os não-usuários. Isso significa que têm maior agilidade de raciocínio e conseguem tomar decisões mais rapidamente.
Jogadores regulares tinham maior agilidade de raciocínio e conseguiam tomar decisões mais rapidamente
E atenção: o melhor desempenho dos jogadores regulares não se restringiu ao sentido da visão, modalidade ativada durante o jogo.
Mais do que isso, estendeu-se à audição, indicando uma transferência transmodal, no jargão técnico. Ou seja: usuários de videojogos de ação não treinam apenas a visão: aprendem as melhores estratégias para tomar decisões com rapidez e eficiência.
Mas será que o efeito se deve ao treinamento ou, ao contrário, os videojogadores são naturalmente selecionados por uma capacidade inata para processar mais eficientemente estímulos visuais e auditivos?
Essa pergunta foi também respondida pelos pesquisadores. O grupo de não usuários recebeu 50 horas de treinamento em videojogos e foi novamente testado depois dessa prática. Não deu outra. Desta vez o mesmo grupo de não usuários teve bom desempenho, tornando-se videojogadores como os rapazes do outro grupo.

Redes neurais e os circuitos envolvidos

Em situações reais, fora do aparato experimental, quando um macaco ou um ser humano visualiza nos lados do campo visual um estímulo em movimento, procura mover os olhos na direção do estímulo e acompanhar o seu movimento, para melhor discernir o que é. Há regiões no córtex cerebral dedicadas à identificação dos estímulos, outras de orientação do olhar, e as primeiras se ligam às segundas.
Os videojogostreinam habilidades cognitivas gerais, e não apenas restritas a uma modalidade sensorial
Esse circuito foi modelado pelo grupo de Rochester utilizando as famosas redes neurais, construções de programas de computador que simulam as operações dos neurônios conectados.
A simulação apoiou plenamente os resultados experimentais, pois indicou uma via de processamento de etapas sensoriais até a interpretação e a elaboração de uma resposta, seguindo curvas muito semelhantes às obtidas com os rapazes testados.
Nesse caso, a modelagem por computador sustentou a constatação mais surpreendente do experimento: os videojogos treinam habilidades cognitivas gerais, e não apenas restritas a uma modalidade sensorial. A pessoa aprende estratégias cognitivas, ou seja, aprende a aprender.

Neuroeducação à vista

Experimentos desse tipo trazem indicações importantes. Primeiro, as novas tecnologias de comunicação e entretenimento não são necessariamente boas ou más: é preciso estudar o seu efeito nas capacidades cognitivas dos usuários. Em segundo lugar: se as novas tecnologias podem ter efeitos positivos, por que não usá-las nos processos formais e informais de educação?
Por que não usar as novas tecnologias nos processos formais e informais de educação?
Videojogos poderiam ser criados com a intenção de educar, e não apenas entreter. Além disso, poderiam apresentar conteúdos menos tendentes à agressividade e à violência e mais voltados para os benefícios da solidariedade e da vida social integrada.
E, finalmente: o conhecimento das estratégias neurais empregadas nas tarefas cognitivas que realizamos a toda hora trará uma base mais sólida para compreender de que modo nosso cérebro realiza essas tarefas com tanta eficiência.
A malandragem definitiva dos educadores será conceber tecnologias que imitem e ajudem o cérebro no processo de aprendizagem.
Sugestões para leitura:

A.M. Owen e colaboradores (2010) Putting brain training to the test. Nature vol. 465: pp. 775-778.

D. Bavelier e colaboradores (2010) Children, wired: For better and for worse.Neuron, vol. 67: pp. 692-701.

C.S. Green e colaboradores (2010) Improved probabilistic inference as a general learning mechanism with action video games. Current Biology vol. 20: pp.1573-1579.

Roberto Lent
Instituto de Ciências Biomédicas
Universidade Federal do Rio de Janeiro