quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Pautas científicas: por onde ir?

20/08/2010 -
A evolução das teorias

Os cientistas têm todo tipo de explicação para o surgimento dos humanos – da dança à rebeldia adolescente. Alguma delas vai resistir à pressão seletiva?
O que nos tornou humanos? Até pouco tempo atrás, havia poucas teorias para explicar o salto evolutivo que conferiu a nossos ancestrais a capacidade de raciocinar. O polegar opositor era uma candidata – deu a um grupo de hominídeos a chance de fazer movimentos de pinça, com os quais pôde produzir ferramentas. Outra tese era a linguagem. A possibilidade de falar nos fez criar símbolos, a essência de uma cultura. Uma terceira teoria era a vida em grupo. A necessidade de memorizar rostos e saber quem era fiel, quem traía, quem estava acima ou abaixo na hierarquia social teria dado origem a nossa inteligência.

Todas essas teses são ótimas. Mas não chamam mais a atenção. Em seu lugar, uma série de hipóteses mais ousadas tem ganhado espaço no meio científico. A mais recente é que devemos nossa inteligência... aos animais. Em artigo na revista Current Anthropology, a americana Pat Shipman, da Universidade da Pensilvânia, diz que nossos ancestrais tiveram de entender o comportamento dos animais porque eram presa e, a partir da criação de ferramentas, também predadores. “Esse entendimento levou à linguagem e, em um último estágio, à domesticação dos animais”, me disse Shipman por e-mail.

Se você acha essa ideia esquisita, que tal a tese de que nós viramos humanos porque aprendemos a cozinhar? Ou porque gostamos de música? Ou – a minha preferida – porque nossos adolescentes são mais chatos que os adolescentes dos outros animais? Todas elas foram defendidas nos últimos dois anos (leia o quadro abaixo).

A evolução das teorias sobre nossa evolução tem um motivo: a seleção natural das pautas de revistas científicas. Quanto mais inusitada a proposta, mais chance de chamar a atenção – e de ser publicada.

Isso não quer dizer que elas não tenham mérito. Se não soubéssemos cozinhar, por exemplo, nosso maxilar teria de ser muito mais desenvolvido para mastigar alimentos duros e nosso estômago teria de ser maior (como o dos chimpanzés). Sobrariam menos espaço e energia para o cérebro.

O problema não é com as teorias inusitadas em si, mas com o próprio fato de procurar a atividade isolada que nos tornou humanos. “Procurar por um único aspecto é perda de tempo”, diz o psicólogo americano Michael Gazzaniga, da Universidade da Califórnia. “Posso falar porque já tentei.” E ainda tenta. Gazzaniga hoje aposta que nos tornamos humanos ao aprender a controlar impulsos e postergar o prazer.

“Cada evento em nossa evolução, seja cantar, cozinhar ou domesticar animais, é consequência de uma necessidade, que levou a outra”, diz o etólogo Eduardo Ottoni, da Universidade de São Paulo. E a necessidade de criar teorias, de onde terá vindo?


  Reprodução


Assista como as ilustrações acima foram feitas:



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