sábado, 9 de abril de 2011

Saúde não dá no hospital nem no posto

por Ana Reis*

Desde o fim da ditadura, os movimentos sociais, os feministas inclusive, e com muita força, têm lutado por políticas públicas para impedir a destruição neoliberal do sistema público de saúde, exigindo que os serviços melhorem e se multipliquem.
O acesso a serviços de qualidade tem que ser garantido para todas e todos. Mas…  será que isso basta para ter saúde? O que deixamos de fora da agenda quando na pauta “saúde” as reivindicações ficam centradas nos  serviços médicos?
Uma comunidade que não disponha de renda, comida, água limpa, esgoto sanitário, coleta de lixo e habitações dignas e mesmo assim tenha acesso a um hospital com as últimas tecnologias de diagnóstico, tomografia e ressonância magnética vai ser saudável?
Pensar a saúde associada à medicina é como achar que se você tem cartão de crédito é rica.
O que a medicina pode fazer, quando pode, na maioria das vezes é tratar das doenças. Tirando as vacinas, a prevenção das enfermidades e a construção da saúde, que é diária, fica praticamente fora dos serviços de saúde.
Mas quando se precisa das consultas médicas, sabemos como elas funcionam: alguns minutos, medir pressão, pedir exames de sangue, urina. Mais exames, mais consultas, mais pagamentos para um mesmo atendimento. Tem gente que até diz que já começou o tratamento quando fez um exame qualquer de laboratório.
E exame trata alguma coisa?
Na maior parte dos casos os pedidos desses testes servem para maquiar a falta de escuta das queixas, a falta do exame físico cuidadoso, ou seja: a falta de medicina clínica que examina a pessoa e sabe qual o problema e como tratar. O laboratório só entra para confirmar ou não as hipóteses de diagnóstico.
Assim funciona a medicina clínica, ouvindo o que a pessoa traz, o que sente, olhando e examinando o corpo. Sem roupa. Com tempo e respeito.
E quando se tem acesso aos hospitais é bom torcer para não pegar uma infecção hospitalar, uma “intercorrência” absurda e criminosa, que devia ser alvo de ações judiciais e indenizações.
A má qualidade de atendimento resulta, em boa parte, do próprio sistema de formação das faculdades de medicina que orienta alunas e alunos para as especializações e para a atuação em hospitais super equipados. O conhecimento fica fragmentado e insuficiente e, para piorar, o pessoal se torna arrogante e autoritário.
As más práticas médicas não estão somente nos serviços públicos. As mortes por lipoaspirações e o récorde de cirurgias plásticas são escândalos das clínicas privadas.
Recentemente, devido à deterioração e descrédito da medicina mercantilizada e sucateada, houve um crescimento importante das chamadas terapias alternativas tradicionais, como a homeopatia, a acupuntura, as massagens, o uso de ervas medicinais.
Além disso, a fragmentação das especializações fez crescer o papel das psicoterapias, da orientação nutricional e da fisioterapia, entre outras. A maior presença de profissionais dessas outras áreas causou uma reação furiosa entre os mais reacionários do poder médico, dando origem ao Projeto de Lei do Ato médico, que pretende concentrar nas mãos da medicina a chefia das equipes de saúde e o poder/saber do diagnóstico. A lei já foi aprovada na Câmara e está ainda sob debate tramitando no Senado.
Outra demonstração do poder médico é a reação feroz às casas de parto e mais recentemente ao curso de obstetrizes na USP. Qualquer tentativa das mulheres tomarem nas próprias mãos o controle da procriação é violentamente atacada. Fecham as casas de parto,  negam o acesso ao conhecimento. Estamos voltando às fogueiras da igreja católica, que em 3 séculos assassinou 8 milhões das mulheres que tinham o saber/poder sobre seus corpos?
Paralelamente, a indústria farmacêutica vem reagindo ao uso de ervas medicinais e remédios homeopáticos, forçando regulamentações e retirada do mercado desses recursos que são eficazes, têm  mínimos efeitos negativos, são mais baratos e acessíveis.
Todas essas questões interferem na saúde das mulheres.
Mas além de serviços e remédios, a saúde depende fundamentalmente daqueles fatores lembrados no começo.
As lutas pelo emprego, pela comida, por água e esgoto fazem parte das agendas há muito tempo. A atualização dessa lutas, no entanto, tem se tornado mais complexa com o avanço do capitalismo industrial.
Não basta ter alimentos, se estes estão contaminados com agrotóxicos, se são transgênicos, se têm quantidades absurdas de conservantes, corantes, estabilizantes, espessantes e um monte de “antes” que a maioria das pessoas nem lembra de ler nas embalagens.
Toda mulher que cozinha sabe que se fizer uma fornada de biscoitos e que – se sobrarem alguns depois do ataque das crianças – em pouco tempo eles estarão duros ou mofados. Imagine a quantidade de produtos químicos que contêm os industrializados para durarem meses nas prateleiras dos mercados. Depois ninguém sabe porque estamos assistindo a uma epidemia de câncer no planeta. Isso sem falar nos salgadinhos bem salgados e cheios de gordura que estão deixando as crianças com pressão alta e obesas.
Quanto ao abastecimento de água, ignoramos todas as substâncias químicas que os sistemas de “purificação” não conseguem retirar. De hormônios a antidepressivos, metais pesados e sabe-se lá mais o quê. Então, não basta ter água. Precisamos saber o que vem nessa água. E que ela seja realmente potável.
O ar poluído das grandes cidades, o ar das queimadas no campo causam doenças também.
Os produtos com “cheirinho de limpeza”, os produtos de “beleza”, cremes, xampus, alisantes de cabelo, são fontes de doenças sobretudo para as mulheres, muito mais expostas a eles.
Recentemente o Greenpeace fez uma pesquisa da poeira doméstica em 4 cidades brasileiras que revelou a presença de substâncias que dão câncer, interferem nos hormônios e nas defesas imunológicas.
Mas a pressão para se usar só substâncias conhecidamente inócuas ainda é muito frágil entre nós. A propaganda nas novelas e nos programas infantis empurra esse lixo tóxico para a população.
Assim como ela não dá no posto nem no hospital, a responsabilidade de controlar a saúde nos alimentos, na água e no ar atmosférico não fica no Ministério da Saúde. Como sabemos, no caso dos produtos agrícolas entupidos de agrotóxico, o controle fica nas mãos do agronegócio que controla o Ministério da Agricultura. E, no Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária não cumpre suas responsabilidades.
As decisões sobre os trangênicos fica nas mãos da CNTBio, onde a preocupação/responsabilidade com a saúde da população não tem vez nem voz.
Então, quem controla tudo isso?
Outro fator importante para a saúde das mulheres é a diminuição do esforço físico no trabalho doméstico. Serviços públicos de lavanderias coletivas – com máquinas de lavar – são urgentes. Creches e restaurantes coletivos igualmente urgentes.
Para a chamada saúde mental, espaços de convívio e trocas de experiências e saberes são também necessários, assim como o tempo e o lugar para o lazer. Qualquer comunidade, por mais pobre que seja, tem um campinho de futebol e o buteco com a sinuca.
Os homens por mais marmanjos que sejam, têm tempo livre e lugar para brincar e se divertir. Para as mulheres, encontrar outras e conversar, só nas filas do posto de saúde e nas igrejas. Por ironia nada engraçada, dois lugares dos discursos mais patriarcais e inimigos da nossa autonomia: o discurso médico e o religioso.
Se o governo fizesse colônias de férias e garantisse para as mulheres ao menos 10 dias de repouso e diversão por ano – sem tomar conta das crianças e sem obrigações – a economia do SUS em remédios e atendimentos pagaria essas colônias.
Da mesma forma, o acesso das mulheres à prática de esportes não competitivos oferece oportunidades de vida social para todas as idades e promove saúde.
Antidepressivos e calmantes não resolvem, só pioram as condições psíquicas.  Manter as mulheres sob a camisa de força química dos medicamentos é uma estratégia de dominação disfarçada em atendimento.
Por fim, é preciso falar das questões que estruturam as desigualdades em nossa sociedade. Falar delas por último deixa mais acesa na lembrança a sua urgência. Essas questões são o racismo, a misoginia, a heteronormatividade e o classismo, formas de dominação, exploração e exclusão baseadas no ódio, no desprezo, cujas práticas estão presentes nas relações sociais e que resultam em sofrimento, doenças e  mortes. Práticas presentes também no posto, no hospital, da recepção à sala do parto, nas consultas e na falta delas.
Como falar em humanização sem enfatizar o racismo, a misoginia, a norma heterosexual e o classismo institucionais?
Com certeza estes serão debatidos na Conferência Nacional de Saúde convocada pelo governo para este ano. Que não seja mais uma conferência que resultará em propostas de políticas sem verbas.
E por fim mesmo, cabe perguntar como andam as instâncias de controle social e como funciona o acesso a elas. Burocratizaram-se? Transformaram-se em capitanias hereditárias das facções dos partidos? Das centrais sindicais? Ou são estruturas dinâmicas, lugares de exercício da cidadania apontando para possibilidades de autogoverno? Qual a sua representatividade? Repetem relações racistas, misóginas, LGBTT-fóbicas, burguesas?
Vivemos um momento histórico de grandes oportunidades, com uma mulher presidenta, pela primeira vez. Que seja a primeira de uma longa série….
Fazer desse e dos próximos, um governo antirracista e feminista depende de todas. Com ousadia e rebeldia.
* Ana Reis é  médica em Salvador, BA.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Plágio acadêmico

Veja a cartilha e saiba mais sobre cópias não autorizadas!

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Pesquisa linguística


Especiais

Singularidade brasileira

24/3/2011
Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – O português falado no Brasil tem certas propriedades sintáticas que não se encontram no português europeu, nem em outros idiomas. Durante mais de quatro anos, um grupo de pesquisadores se dedicou a analisar o conhecimento já reunido sobre essas propriedades, a fim de discuti-lo sob a perspectiva do mais novo paradigma da pesquisa linguística: o chamado Programa Minimalista.

Concluído no fim de fevereiro, o Projeto Temático Sintaxe gerativa do português brasileiro na entrada do século 21: Minimalismo e Interfaces, financiado pela FAPESP, foi coordenado por Jairo Nunes, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).

De acordo com Nunes, o principal resultado do projeto foi o livro Minimalist Essays on Brazilian Portuguese Syntax (“Ensaios minimalistas sobre a sintaxe do português brasileiro”), lançado em 2009, que reúne dez artigos produzidos por seus participantes.

“O objetivo central do projeto consistiu em capitalizar o conhecimento já adquirido sobre as propriedades sintáticas distintivas do português brasileiro e discuti-lo à luz do Programa Minimalista, descobrindo em que medida essas propriedades podiam ser explicadas na sua interface com outros componentes da gramática”, disse à Agência FAPESP.

O Programa Minimalista foi estabelecido a partir de 1995 pelo linguista Noam Chomsky, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, derivado da Teoria de Princípios e Parâmetros, formulada pelo mesmo autor na década de 1980 a partir de uma tradição linguística iniciada em meados do século 20.

A Teoria de Princípios e Parâmetros estabeleceu a ideia de que há um componente inato, biologicamente fundamentado, na predisposição humana a aprender uma língua, e que todas as produções linguísticas seguiriam uma “gramática universal”, comum a todos os seres humanos.

“Descobriu-se então que o conhecimento linguístico se organiza em termos de princípios – propriedades invariáveis de todas as línguas – e parâmetros, que são os padrões e opções que codificam feixes dessas propriedades. A tarefa de uma criança que aprende uma língua seria, portanto, estabelecer os valores desses parâmetros”, explicou Nunes.

O Programa Minimalista tem a proposta de não apenas investigar quais são as propriedades da faculdade da linguagem e seu papel na aquisição de uma língua natural, mas também tentar explicar por que a faculdade da linguagem tem exatamente essas e não outras propriedades.

Por estabelecer um fundo comum entre todos os idiomas, o novo paradigma da Teoria de Princípios e Parâmetros, de acordo com Nunes, possibilitou a comparação detalhada entre as línguas mais variadas, em diversos estágios de desenvolvimento.

“Isso desencadeou uma gigantesca explosão de conhecimento no domínio da linguística. Não é nenhum exagero dizer que, a partir da década de 1980, aprendemos mais sobre a língua humana que em todos os séculos anteriores”, afirmou.

De acordo com Nunes, desde então houve uma grande profusão de trabalhos sobre o português brasileiro, que mostraram que a língua falada no Brasil possui uma gramática muito especial em relação ao português europeu e às outras línguas românicas.

“A partir da década de 1980, a pergunta que orientava as pesquisas era: quais são e como se organizam as propriedades das línguas humanas? No Projeto Temático, procuramos redimensionar esse conhecimento acumulado à luz dos novos avanços conquistados pelo Programa Minimalista. A pergunta central passou então a ser: por que as propriedades se organizam da maneira que se observa?”, disse.

Sujeito nulo

Um dos tópicos centrais na discussão feita sobre o português brasileiro, segundo Nunes, é a questão do chamado “sujeito nulo”, conhecido na gramática tradicional como “sujeito oculto”.

“Quando comparado ao sujeito nulo do português europeu, ou das outras línguas românicas, o sujeito nulo do português brasileiro é muito singular. O uso que fazemos do sujeito nulo é mais parecido com as construções infinitivas do inglês, ou as formas subjuntivas das línguas balcânicas, por exemplo”, disse.

O impacto dessa característica singular é muito grande, já que o tipo de sujeito nulo encontrado no português brasileiro simplesmente não deveria existir.

“Na medida em que as nossas pesquisas demonstraram que essa possibilidade teórica existe, propusemos que boa parte do modelo de análise linguística deverá ser reformulada, a fim de incorporar esses dados relativos ao português brasileiro”, disse o professor da FFLCH-USP.

A proposta de reformulação foi reportada no livro Control as movement, publicado em 2010 pela Cambridge Press University, de autoria de Nunes, Cedric Boeckx, da Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha), e Norbert Hornstein, da Universidade de Maryland (Estados Unidos).

“Boa parte da discussão procura retomar os dados sobre o sujeito nulo. Mostramos como o modelo teórico terá que ser modificado em função das novas descobertas nesse campo”, afirmou.

Tanto o português brasileiro como o lusitano permitem o sujeito nulo, segundo Nunes. Mas, quando se observam os usos específicos, percebe-se que essa estrutura recebe um sentido bem diferente na língua falada no Brasil. “Uma das hipóteses que levantamos para explicar isso se relaciona com o enfraquecimento da concordância verbal e nominal no português brasileiro”, disse.

A previsão que se fazia antes das descobertas era de que não deveria haver línguas com o sujeito nulo em orações indicativas, com uma série de propriedades associadas com o que chamamos de movimento sintático.

“Imaginava-se que essa seria uma das propriedades universais: nenhuma língua teria esse tipo de sujeito. Mas mostramos que ele é encontrado no português brasileiro. Portanto, não é uma propriedade universal. O novo modelo terá que explicar não apenas a característica do nosso português, mas também precisará explicar por que essa ocorrência é tão rara”, afirmou.

A interpretação da frase “o João acha que a mãe do Pedro disse que vai viajar”, segundo Nunes, é clara para o brasileiro: a mãe é o sujeito de “vai viajar”, que está oculto. “Mas, para as outras línguas, se a frase for construída dessa forma, não fica claro se quem vai viajar é a mãe, o Pedro, ou o João. A interpretação nesse caso é muito difícil para quem não é brasileiro”, apontou.

Por outro lado, na frase “Maria disse que o médico acha que está grávida”, a interpretação para os brasileiros é que se torna difícil. “Soa muito estranho para nós. Dá a impressão de que o médica está grávido. Para o português europeu, não há nenhuma dúvida: quem está grávida é a Maria”, explicou.
Para uma sentença como “o João é difícil de elogiar”, o português brasileiro admite dois significados. Mas no português europeu, o significado está claro: “é difícil elogiar o João”. “Em alguns casos vamos ter mais possibilidades interpretativas no português brasileiro, em outros, no português europeu”, disse Nunes.

Outro tópico explorado no Projeto Temático no tema do sujeito nulo se refere a frases comuns no português brasileiro coloquial, como “eles parecem que vão viajar”.

“Isso é completamente impossível no português europeu. É algo que só se explica pelo que chamamos de ‘movimento’. Mas basta um deslocamento do pronome para que a frase se torne compreensível em Portugal: ‘parece que eles vão viajar’”, disse.

O movimento pode envolver expressões idiomáticas do português brasileiro, configurando um tipo de sentença que se tornaria ainda mais incompreensível em outras línguas.


“Podemos dizer ‘a vaca parece que foi para o brejo’. Isso é impossível em outra língua, ou no português europeu. O sujeito nulo só pode ser usado dessa forma no português brasileiro graças à ação de um feixe de propriedades diferentes”, disse Nunes. 
 

sábado, 2 de abril de 2011

Pesquisas, interesses e jornalismo

“Faltam estudos” e “Não há evidências”




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“Faltam estudos que comprovem prejuízos à saúde provocados por produtos usados adequadamente.”

“Não há evidências científicas de que, quando usados apropriadamente, causem efeito à saúde.”
Eu adoro o discurso usado na defesa do indefensável! Mas tem que ter classe para saber usá-lo, criar o contexto correto, ter cara-de-pau, parecer acreditar naquilo. Por isso, Maluf é rei.
Quem já assistiu ao filme “Obrigado por fumar” (Thank You for Smoking, 2006), de Jaison Reitman, com Aaron Eckhart, Robert Duvall e Maria Bello, baseado no livro de Christopher Buckley, que satiriza a indústria do tabaco e as associações de lobby que atuam nos Estados Unidos, sabe do que estou falando.
É engraçado ver o discurso cínico do protagonista do filme e imaginar quantos cidadãos norte-americanos caem nesse conversê na vida real. Mas a história fica trágica quando verificamos que os mesmos discursos são descarregados sobre nós diariamente para justificar qualquer coisa. Entre elas, a expansão agropecuária irracional no Brasil. E a gente, claro, engole feito um bebê. Perda de empregos, falta de comida, interesses estrangeiros, ecatombe maia (2012 tá aí, né?), tudo é usado como desculpa para continuar passando por cima. Alguém já viu os filmes promocionais de empresas que produzem agrotóxicos? É de chorar de emoção.
Folha de São Paulo trouxe, na quarta, uma boa reportagem apontando que foi encontrado agrotóxico em leite materno no Mato Grosso (se fosse material radioativo no leite materno de Tóquio estaria em todas as TVs daqui, mas deixa pra lá). Segue um trecho:
“O leite materno de mulheres de Lucas do Rio Verde, cidade de 45 mil habitantes na região central de Mato Grosso, está contaminado por agrotóxicos, revela uma pesquisa da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso). Foram coletadas amostras de leite de 62 mulheres, 3 delas da zona rural, entre fevereiro e junho de 2010. O município é um dos principais produtores de grãos do MT. A presença de agrotóxicos foi detectada em todas. Em algumas delas havia até seis tipos diferentes do produto. Essas substâncias podem pôr em risco a saúde das crianças, diz o toxicologista Félix Reyes, da Unicamp. “Bebês em período de lactação são mais suscetíveis, pois sua defesa não está completamente desenvolvida.” Ele ressalta, porém, que os efeitos dependem dos níveis ingeridos. A ingestão diária de leite não foi avaliada, então não é possível saber se a quantidade encontrada está acima do permitido por lei. “A avaliação deve ser feita caso a caso, mas crianças não podem ser expostas a substâncias estranhas ao organismo”, diz Reyes.”
Sensacional é o outro lado, ouvido pela reportagem:
“A Associação Nacional de Defesa Vegetal, representante dos produtores de agrotóxicos, diz desconhecer detalhes da pesquisa, mas ressalta que a avaliação de estudos toxicológicos é complexa. Segundo a entidade, faltam estudos que comprovem prejuízos à saúde provocados por produtos usados adequadamente. “Não há evidências científicas de que, quando usados apropriadamente, os defensivos agrícolas causem efeito à saúde”.”
Usei a história a seguir em um post anteontem, mas vale mostrar de novo. Durante as brigas pelo banimento do amianto, um advogado que defendia o interesses dos trabalhadores trouxe um pedaço do produto para ser mostrado em uma audiência judicial com os que defendiam as empresas. O amianto, acusado de causar danos à saúde dos trabalhadores, circulou na mesa. Do lado corporativo, que defendia que o produto era inofensivo como uma bola de gude, ninguém quis tocá-lo.
Poderíamos fazer o mesmo com os que defendem que “faltam estudos” e “não há dados”. Até como uma forma de mostrar que acreditam naquilo que defendem. Vamos mudar sua sede para o mesmo local em que o problema relatado acima aconteceu. Se faltam dados, não há risco comprovado, não é mesmo? Liderar pelo exemplo!
Não vou repetir o que já disse neste blog muitas vezes, mas vale lembrar que o Brasil continua sendo mais rápido para aprovar produtos químicos que trazem lucro a poucos e lento para tirá-los de circulação – quando fica provado que causam danos a muitos. Ou para controlar a sua presença no meio ambiente e seus impactos nas populações locais – usamos susbtâncias químicas como água para promover o crescimento econômico. Muitos agrotóxicos proibidos nos Estados Unidos, na União Européia e em alguns de nossos vizinhos latinos correm soltos – literalmente – contaminando água, terra e ar por aqui. E, por conseguinte, milhares de pessoas diretamente e milhões indiretamente.
E não são apenas os proibidos, um problema. Talvez um pepino maior sejam os permitidos usados sem o devido cuidado e em quantidade maior que o meio pode suportar. Quando a Anvisa faz uma reavaliação toxicológica de substâncias químicas, parte dos produtores alega que vetos causarão aumento de custos. Entendo o lado deles, mas aceitar algo que não está de acordo com os padrões mínimos é uma bomba-relógio que vai explodir em algum momento.
No Brasil, o lobby dos agrotóxicos é pesado. Daria um filme tão engraçado e trágico quanto o da indústria do tabaco. O problema seria encontrar financiador.

sexta-feira, 1 de abril de 2011